(Resenha do livro "As duas guerras de Vlado Herzog. Da Perseguição Nazista na Europa à Morte Sob Tortura no Brasil)
Luta,
esperança e busca por justiça são só alguns dos ingredientes do livro vencedor
da categoria “Não ficção” na 55º edição do prêmio Jabuti de memórias. Mais do
que um relato sobre a vida do jornalista Vladimir Herzog, “As duas guerras de
Vlado Herzog. Da Perseguição Nazista na Europa à Morte Sob Tortura no Brasil", escrito pelo também jornalista Audálio Dantas, representa a
história do jornalismo brasileiro durante o período da ditadura militar e
simboliza a luta de todos que, de uma forma ou de outra, foram atingidos pela
repressão e autoritarismo do regime que marcou o país durante vinte e um anos.
Publicado pela editora Civilização Brasileira em 2012, “As duas guerras de
Vlado Herzog” inicia-se com a história do pequeno Vlado, um jovem judeu nascido
na Iugoslávia que, aos seis anos de idade, encara sua primeira perseguição
política. Refugiado com a família na Itália, o jovem precisa adotar o nome
“Aldo”, comum naquela região, para que os Herzog não fossem descobertos e
acabassem em campos de concentração, destino que, infelizmente, fez parte da
vida de muitos judeus durante a ditadura de Hitler. Ditadura, aliás, seria a
palavra que perseguiria Vlado por toda a vida. Em busca de um futuro melhor
para a família, Zigmund e Zora fugiram
para o Brasil com o filho sem saber que, 29 anos depois, Vlado seria morto no
país vítima de outra perseguição por motivos políticos. Em 25 de outubro de
1975, Vladimir Herzog foi assassinado dentro dos perímetros do DOI-Codi , mas
seu exemplo na busca de um jornalismo que de fato cumprisse com a obrigação de
prestar um serviço à sociedade não foi calado.
Apesar
da história de Vladimir Herzog ser o ponto de partida da história, “As duas
guerras de Vlado” amplia o debate sobre a ditadura militar aos outros
jornalistas e militantes da época. Nomes como Luís Weis, Alberto Dines, Ronaldo
Costa Couto, Rodolfo Konder, Duque Estrada e Fernando Pacheco Jordão estão
entre os que têm sua história revelada no livro. O grande volume de histórias
de diversos jornalistas pode até cansar a leitura de alguns, mas como não se
emocionar com a história do casal Paulo Markun e Diléa Frate, que por pouco não
perderam o batizado da própria filha? Diléa, que ao chegar a umas das celas do
DOI-Codi foi chamada de menina por uma das presas, teve coragem o suficiente ao
expôr seu instinto materno de quem sofre longe do filha, tirando o capuz que
cobria seu rosto e confrontando seu agressor ao perguntar “O Senhor não
acredita em Deus, não tem família ?”.
Mais
do que um livro sobre confrontos, “As duas guerras de Vlado” situa-se como um
livro sobre a coragem. A dor do autoritarismo não era sentida apenas no corpo
de quem sofria com as imposições do regime. A mão da ditadura feria também os
familiares que, sem notícias de seus parentes, recebiam as mesmas doses severas
de castigos. Nos porões do DOI-Codi ou nos cômodos de um lar que já não mais se
encontrava completo, a dor competia espaço com a esperança: Uma esperança que
não deixa a memória ser enganada pelo tempo ou pelas verdades impostas. Uma
esperança que, 50 anos depois do início da ditadura, ainda encontra vestígios
como a revelação de como teria sido morto o ex- deputado Rubens Paiva .
O caráter
reflexivo sobre o período da ditadura exposto por Audálio Dantas pode ser
comparado ao também vencedor do prêmio Jabuti de memórias em 1982, o livro
“Batismo de Sangue” escrito por Frei Betto. O livro de Betto, porém, consegue
traduzir de maneira mais poética o cenário do jornalismo e das torturas
sofridas durante o militarismo, como se percebe no trecho abaixo: "Os
acólitos do regime adaptavam-se, substituíam o noticiário cortado,
antecipavam-se à tesoura do censor, exercendo, sem escrúpulos, um aprendizado
que faria escola no jornalismo brasileiro: a autocensura. A insólita lição
ensina que o bom profissional deve alienar-se de suas ideias e convicções para
escrever como o patrão escreveria e editar como o governo editaria. Não é
apenas a força de trabalho alugada sob o imperativo
da sobrevivência, como a prostituta que se oferece na esquina. É a própria
consciência adulterada, associando autoridade e verdade, como o torturador de
dentes cariados e salário-mínimo afoga a sua vítima numa banheira em defesa de
uma liberdade que ele não usufrui." (Betto, Frei. Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte
de Carlos Marighella. 9.ed.Bertrand Brasil, 1987.77p)
Mesmo
rico em informações, como os detalhes da situação em que se encontrava a Europa
durante a guerra e a maneira como o sindicato dos jornalistas se organizava no
Brasil durante a ditadura, o livro peca em falta de organização. Apesar de não
ser necessário seguir uma linha cronológica, Audálio repete muitas vezes a
mesma informação. A data da morte de Vlado e a maneira como este foi morto, por
exemplo, aparece em várias páginas do livro. O mesmo ocorre com a frase “Os
porões da ditadura” ou “os porões do DOI-Codi” que também foi destacada muitas
vezes por Dantas.
A
alternância de datas e fatos históricos faz-se frequente em toda a leitura, o
que cansa e às vezes até confunde o leitor. Mesmo com o grande peso dado aos fatos
históricos, o livro carrega em suas páginas um caráter emotivo. Audálio acerta
ao expor os conflitos psicológicos sofridos pelas vítimas da ditadura, tanto nos
relatos das prisões e torturas, quanto no trecho em que fala sobre a passeata
na Praça da Sé que reuniu muitas pessoas em São Paulo após a morte de Herzog.
A
história do juiz Márcio José de Moraes, que aos 32 anos, assumiu o julgamento
do caso de Herzog após a aposentadoria do juiz Martins Filho e condenou a União
pela prisão ilegal, tortura e morte de Vlado, também é um dos fatos que merecem
destaque no livro, sendo o desfecho da
luta pela comprovação de que Herzog fora assassinado pelos militares. Mais do
que isso, a justiça feita no caso de Vlado representou um grande passo rumo a
retomada da democracia.
“As
duas guerras de Vlado” é uma boa recomendação para quem quer aprofundar o
estudo sobre um dos períodos mais negros da história brasileira, mas, ao expor
tanta informação e, por vezes, repetir demais a mesma passagem, o livro de 394
páginas também pode ser facilmente deixado de lado.
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