quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Escritora recebe Cadeira na Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta brasileiro



Seis filhos, um livro e uma Cadeira na Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta brasileiro. A história de Rachel dos Santos Dias poderia ser contada pelos números, mas ela se descreve pelas letras e pela inspiração. Aos 78 anos, a mineira de Curvelo acumula histórias, experiências e coragem.Em Campinas, sua história começa em 1970, ano em que, aos 35 anos, veio para a cidade com os filhos. No interior paulista ela perdeu seu diploma  após enfrentar os abusos cometido na época da ditatura militar - na época professora, Dias fez uma denúncia sobre o tratamento que os militares davam aos alunos - e teve que fugir com os filhos para Minas Gerais. Porém, acostumada com desafios, encarou o ocorrido como um “até logo”, tanto que, após o término da ditadura, voltou a Campinas, cidade em que mora até hoje.
Mas a história da mulher que perdeu o marido cedo e criou os seis filhos praticamente sozinha, encontrou a literatura desde cedo. “Comecei a escrever uma “espécie” de crônica quando tinha 15 anos. Só que nada guardei… Meu pai me fazia ler muito e assim fui me envolvendo com a Literatura. Com 17 anos ganhei um álbum do namorado de minha irmã para escrever os poemas. A dedicatória data de 24/09/1952, quando fiz 17 anos! Inspirava-me o poema de J.G. de araujo jorge “Os versos que te dou”. Sei de cor!”, relata Rachel.
Apesar da inspiração desde menina, Rachel sabia que viver de sua arte seria complicado. Por isso, apesar de sempre escrever, a mineira mantinha a renda de casa por meio de costuras, traduções, entre outros trabalhos. O amor pela literatura fez com que a escritora fosse presença constante em diversos eventos literários: Participou e ainda participa de diversos saraus e encontros literários.  Em 2011, recebeu uma homenagem no sarau do Cenarte devido aos seus poemas. Mas quem gosta dos poemas de Rachel não precisa ir aos eventos para conhecer suas obras. Rachel também utiliza a internet para publicar seu trabalho: Só no site recanto das letras a autora conta com 322 arquivos, entre poemas, crônicas, contos  e sonetos. O site Garganta da Serpentetambém possui material da escritores.
Como tantas pessoas que sonham em publicar seus relatos, depois dos poemas veio o primeiro livro em 2008, que traz uma reflexão sobre a morte, de modo a auxiliar quem perdeu seus entes queridos. “O processo foi longo para conseguir o capital necessário, até que um filho “bancou” a 1ª edição para mim. Impressionava-me ver como as pessoas tinham medo da morte. Pelo conhecimento que adquiri com várias pessoas (religiosos e psicólogos), resolvi escrever o livro de autoajuda “morte parte da vida”. Esgotou no lançamento! Ainda bem!”, relata a escritora.
Já o maior reconhecimento veio em 2012, ano em que conquistou a Cadeira n° 47 na Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta brasileiro “Fiquei feliz em receber o convite para ocupar a Cadeira nº 47 porque significou que minha obra foi reconhecida como digna de tal laurel pelo seu conteúdo”, relata Rachel.
Com tanta história para contar, o que não pode faltar na vida da poeta é a inspiração. Segundo Rachel, tudo a inspira. “O amor, o ciúme, o desprezo, a felicidade, uma viagem, a natureza… A inspiração vem de repente! Não a busco, ela me encontra! Entra no coração ou na mente! Pronto: o verso de faz. Nada contra!!! Está vendo? Acabei de fazer uma quadrinha!” A criatividade e a simpatia realmente fazer parte do cotidiano”, relata.
Seu poema preferido é o “Não me arrependo”
NÃO ME ARREPENDO
Não me arrependo de ter sido tua
se o fui com sentimento e com ternura.
Conservo na intacta brancura
Minha alma de mulher, aberta e nua.
Não me arrependo se te dei um dia
os versos mais felizes e risonhos,
e os versos mais doídos e tristonhos
do canto da minha mão, terna e macia.
Não me arrependo, sequer, se dei tudo
sem pensar no futuro, se, contudo,
só lembrares de mim com nostalgia.
De tudo o que te dei em minha vida
Hás de guardar, bem sei, uma ferida
de teres me deixado tão vazia!

39 anos sem Vlado: Como a morte de Herzog influenciou o jornalismo e as lutas sociais brasileiras

(Resenha do livro "As duas guerras de Vlado Herzog. Da Perseguição Nazista na Europa à Morte Sob Tortura no Brasil)

Luta, esperança e busca por justiça são só alguns dos ingredientes do livro vencedor da categoria “Não ficção” na 55º edição do prêmio Jabuti de memórias. Mais do que um relato sobre a vida do jornalista Vladimir Herzog, “As duas guerras de Vlado Herzog. Da Perseguição Nazista na Europa à Morte Sob Tortura no Brasil", escrito pelo também jornalista Audálio Dantas, representa a história do jornalismo brasileiro durante o período da ditadura militar e simboliza a luta de todos que, de uma forma ou de outra, foram atingidos pela repressão e autoritarismo do regime que marcou o país durante vinte e um anos. Publicado pela editora Civilização Brasileira em 2012, “As duas guerras de Vlado Herzog” inicia-se com a história do pequeno Vlado, um jovem judeu nascido na Iugoslávia que, aos seis anos de idade, encara sua primeira perseguição política. Refugiado com a família na Itália, o jovem precisa adotar o nome “Aldo”, comum naquela região, para que os Herzog não fossem descobertos e acabassem em campos de concentração, destino que, infelizmente, fez parte da vida de muitos judeus durante a ditadura de Hitler. Ditadura, aliás, seria a palavra que perseguiria Vlado por toda a vida. Em busca de um futuro melhor para a família, Zigmund e Zora  fugiram para o Brasil com o filho sem saber que, 29 anos depois, Vlado seria morto no país vítima de outra perseguição por motivos políticos. Em 25 de outubro de 1975, Vladimir Herzog foi assassinado dentro dos perímetros do DOI-Codi , mas seu exemplo na busca de um jornalismo que de fato cumprisse com a obrigação de prestar um serviço à sociedade não foi calado.

Apesar da história de Vladimir Herzog ser o ponto de partida da história, “As duas guerras de Vlado” amplia o debate sobre a ditadura militar aos outros jornalistas e militantes da época. Nomes como Luís Weis, Alberto Dines, Ronaldo Costa Couto, Rodolfo Konder, Duque Estrada e Fernando Pacheco Jordão estão entre os que têm sua história revelada no livro. O grande volume de histórias de diversos jornalistas pode até cansar a leitura de alguns, mas como não se emocionar com a história do casal Paulo Markun e Diléa Frate, que por pouco não perderam o batizado da própria filha? Diléa, que ao chegar a umas das celas do DOI-Codi foi chamada de menina por uma das presas, teve coragem o suficiente ao expôr seu instinto materno de quem sofre longe do filha, tirando o capuz que cobria seu rosto e confrontando seu agressor ao perguntar “O Senhor não acredita em Deus, não tem família ?”.

Mais do que um livro sobre confrontos, “As duas guerras de Vlado” situa-se como um livro sobre a coragem. A dor do autoritarismo não era sentida apenas no corpo de quem sofria com as imposições do regime. A mão da ditadura feria também os familiares que, sem notícias de seus parentes, recebiam as mesmas doses severas de castigos. Nos porões do DOI-Codi ou nos cômodos de um lar que já não mais se encontrava completo, a dor competia espaço com a esperança: Uma esperança que não deixa a memória ser enganada pelo tempo ou pelas verdades impostas. Uma esperança que, 50 anos depois do início da ditadura, ainda encontra vestígios como a revelação de como teria sido morto o ex- deputado Rubens Paiva .

O caráter reflexivo sobre o período da ditadura exposto por Audálio Dantas pode ser comparado ao também vencedor do prêmio Jabuti de memórias em 1982, o livro “Batismo de Sangue” escrito por Frei Betto. O livro de Betto, porém, consegue traduzir de maneira mais poética o cenário do jornalismo e das torturas sofridas durante o militarismo, como se percebe no trecho abaixo: "Os acólitos do regime adaptavam-se, substituíam o noticiário cortado, antecipavam-se à tesoura do censor, exercendo, sem escrúpulos, um aprendizado que faria escola no jornalismo brasileiro: a autocensura. A insólita lição ensina que o bom profissional deve alienar-se de suas ideias e convicções para escrever como o patrão escreveria e editar como o governo editaria. Não é apenas a força de trabalho alugada sob o imperativo da sobrevivência, como a prostituta que se oferece na esquina. É a própria consciência adulterada, associando autoridade e verdade, como o torturador de dentes cariados e salário-mínimo afoga a sua vítima numa banheira em defesa de uma liberdade que ele não usufrui." (Betto, Frei. Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. 9.ed.Bertrand Brasil, 1987.77p)

Mesmo rico em informações, como os detalhes da situação em que se encontrava a Europa durante a guerra e a maneira como o sindicato dos jornalistas se organizava no Brasil durante a ditadura, o livro peca em falta de organização. Apesar de não ser necessário seguir uma linha cronológica, Audálio repete muitas vezes a mesma informação. A data da morte de Vlado e a maneira como este foi morto, por exemplo, aparece em várias páginas do livro. O mesmo ocorre com a frase “Os porões da ditadura” ou “os porões do DOI-Codi” que também foi destacada muitas vezes por Dantas.

A alternância de datas e fatos históricos faz-se frequente em toda a leitura, o que cansa e às vezes até confunde o leitor. Mesmo com o grande peso dado aos fatos históricos, o livro carrega em suas páginas um caráter emotivo. Audálio acerta ao expor os conflitos psicológicos sofridos pelas vítimas da ditadura, tanto nos relatos das prisões e torturas, quanto no trecho em que fala sobre a passeata na Praça da Sé que reuniu muitas pessoas em São Paulo após a morte de Herzog. A história do juiz Márcio José de Moraes, que aos 32 anos, assumiu o julgamento do caso de Herzog após a aposentadoria do juiz Martins Filho e condenou a União pela prisão ilegal, tortura e morte de Vlado, também é um dos fatos que merecem destaque no livro, sendo  o desfecho da luta pela comprovação de que Herzog fora assassinado pelos militares. Mais do que isso, a justiça feita no caso de Vlado representou um grande passo rumo a retomada da democracia.


“As duas guerras de Vlado” é uma boa recomendação para quem quer aprofundar o estudo sobre um dos períodos mais negros da história brasileira, mas, ao expor tanta informação e, por vezes, repetir demais a mesma passagem, o livro de 394 páginas também pode ser facilmente deixado de lado. 

Padre, Pai e Comunista: as três faces de Arnaldo Lemos Filho.

Dos 70 e poucos anos que tem, o professor e sociólogo Arnaldo Lemos Filho passou 15 dias preso em uma cela da ditadura militar. Parece pouco em comparação a toda experiência vivida, mas quem se atreve a mensurar a liberdade alheia?

No período, o jovem Arnaldo, padre, sofreu com o estereótipo mais perseguido entre os anos 60 e 80... O de comunista. Em plena ditadura militar, o preço da palavra era pago por castigos. Em muitos casos, o castigo tinha estigma mais forte: Tortura, fosse física ou psicológica.

Tudo começou em Guaxupé, uma pequena cidade do sul de Minas Gerais. Lá, o filho mais velho dos Lemos realizou um dos sonhos das famílias da época: ter um religioso dentro da própria casa. O jovem foi ordenado padre em 1960 e desde sempre defendeu as causas sociais em seus sermões. O que ele não imaginava era que, ao seguir os ensinamentos de Jesus, estaria indo contra o movimento político dos militares.

Arnaldo falava sobre as reformas de base e da maneira como a fé também era caracterizada por ação e solidariedade. Diziam que a teoria da libertação era baseada em contextos marxistas, mas os religiosos não eram ateístas. Seria, então, Jesus o primeiro comunista? Logo, os sermões e evangelização do Padre começaram a ficar conhecidos na cidade. “O Arnaldo é padre comunista”, diziam. A fama fez com que, após a instauração da ditadura militar em 31 de março de 1964, todos aguardassem para ver o que o padre falaria no dia 1º de Abril. Era um domingo de pentecostes e o jovem padre iniciou seu sermão com “A paz esteja convosco”. Arnaldo não teve medo: Mesmo com a imposição de um novo regime que era contrário às suas ideologias, questionou do púlpito o que era a Paz e as influências do novo regime. Enquanto ia falando, alguns foram se retirando da Igreja. A palavra foi o preço de sua liberdade: Na segunda feira, o padre estava dando aula no seminário em que era reitor e foi surpreendido por três homens da polícia federal, que o colocaram em um carro e o levaram para um campo de aviação. Dentro de um Teco Teco, Arnaldo voou para Belo Horizonte, cidade em que ficou preso por quinze dias.

Assim como Frei Betto, dominicano preso durante a ditadura acusado de ajudar comunistas, padre Arnaldo também não sofreu torturas físicas na Prisão. Mas ser censurado e confrontado com um lado da igreja que compactuava com o regime militar, foi para ambos os religiosos a vivência da tortura psicológica.

Peça atuante da história, Arnaldo estava entre os 30 padres que, na Igreja da Candelária no Rio de Janeiro, protegeram os jovens da ação policial durante a morte do estudante Edson Luis em 1968. Os religiosos formaram uma corrente humana que separava a força militar da ideologia jovem.

A ambiguidade eclesiástica da época perturbou os anseios do jovem padre. Como evangelizar sem tocar nas questões sociais que, da ditadura até hoje, têm grande influência em nosso país? Será que, além de privados de terra teriam que ser também privados de fé e encorajamento? Os questionamentos transformaram o Padre Arnaldo no Professor Arnaldo. O padre deixou a batina, casou e constituiu família.
A fé de outrora deu lugar a um homem agnóstico, que se vê sem a crença de antigamente justamente por conhecer a religião tão a fundo.

A vida tem lá suas ironias. A injustiça sofrida nos tempos de Padre Arnaldo foi revertida pelas aulas do Professor Lemos, sendo que um dos cursos para o qual ele leciona é o de direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Talvez as lições de democracia que não conseguiram encontrar apoio no Púlpito, torne-se para os futuros advogados do país um exemplo de força. Quem sabe, entre lousas e giz, o papel social do ex-padre finalmente se cumpra.


“Quando alimentei os pobres, chamaram-me santo, mas quando perguntei por que há gente pobre, chamaram-me comunista” Dom Helder Câmara.