quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Padre, Pai e Comunista: as três faces de Arnaldo Lemos Filho.

Dos 70 e poucos anos que tem, o professor e sociólogo Arnaldo Lemos Filho passou 15 dias preso em uma cela da ditadura militar. Parece pouco em comparação a toda experiência vivida, mas quem se atreve a mensurar a liberdade alheia?

No período, o jovem Arnaldo, padre, sofreu com o estereótipo mais perseguido entre os anos 60 e 80... O de comunista. Em plena ditadura militar, o preço da palavra era pago por castigos. Em muitos casos, o castigo tinha estigma mais forte: Tortura, fosse física ou psicológica.

Tudo começou em Guaxupé, uma pequena cidade do sul de Minas Gerais. Lá, o filho mais velho dos Lemos realizou um dos sonhos das famílias da época: ter um religioso dentro da própria casa. O jovem foi ordenado padre em 1960 e desde sempre defendeu as causas sociais em seus sermões. O que ele não imaginava era que, ao seguir os ensinamentos de Jesus, estaria indo contra o movimento político dos militares.

Arnaldo falava sobre as reformas de base e da maneira como a fé também era caracterizada por ação e solidariedade. Diziam que a teoria da libertação era baseada em contextos marxistas, mas os religiosos não eram ateístas. Seria, então, Jesus o primeiro comunista? Logo, os sermões e evangelização do Padre começaram a ficar conhecidos na cidade. “O Arnaldo é padre comunista”, diziam. A fama fez com que, após a instauração da ditadura militar em 31 de março de 1964, todos aguardassem para ver o que o padre falaria no dia 1º de Abril. Era um domingo de pentecostes e o jovem padre iniciou seu sermão com “A paz esteja convosco”. Arnaldo não teve medo: Mesmo com a imposição de um novo regime que era contrário às suas ideologias, questionou do púlpito o que era a Paz e as influências do novo regime. Enquanto ia falando, alguns foram se retirando da Igreja. A palavra foi o preço de sua liberdade: Na segunda feira, o padre estava dando aula no seminário em que era reitor e foi surpreendido por três homens da polícia federal, que o colocaram em um carro e o levaram para um campo de aviação. Dentro de um Teco Teco, Arnaldo voou para Belo Horizonte, cidade em que ficou preso por quinze dias.

Assim como Frei Betto, dominicano preso durante a ditadura acusado de ajudar comunistas, padre Arnaldo também não sofreu torturas físicas na Prisão. Mas ser censurado e confrontado com um lado da igreja que compactuava com o regime militar, foi para ambos os religiosos a vivência da tortura psicológica.

Peça atuante da história, Arnaldo estava entre os 30 padres que, na Igreja da Candelária no Rio de Janeiro, protegeram os jovens da ação policial durante a morte do estudante Edson Luis em 1968. Os religiosos formaram uma corrente humana que separava a força militar da ideologia jovem.

A ambiguidade eclesiástica da época perturbou os anseios do jovem padre. Como evangelizar sem tocar nas questões sociais que, da ditadura até hoje, têm grande influência em nosso país? Será que, além de privados de terra teriam que ser também privados de fé e encorajamento? Os questionamentos transformaram o Padre Arnaldo no Professor Arnaldo. O padre deixou a batina, casou e constituiu família.
A fé de outrora deu lugar a um homem agnóstico, que se vê sem a crença de antigamente justamente por conhecer a religião tão a fundo.

A vida tem lá suas ironias. A injustiça sofrida nos tempos de Padre Arnaldo foi revertida pelas aulas do Professor Lemos, sendo que um dos cursos para o qual ele leciona é o de direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Talvez as lições de democracia que não conseguiram encontrar apoio no Púlpito, torne-se para os futuros advogados do país um exemplo de força. Quem sabe, entre lousas e giz, o papel social do ex-padre finalmente se cumpra.


“Quando alimentei os pobres, chamaram-me santo, mas quando perguntei por que há gente pobre, chamaram-me comunista” Dom Helder Câmara.

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